Foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal um novo marco legal para as pessoas acometidas pelo câncer. Agora falta pouco para o novo estatuto ter validade, conforme será abordado a seguir.
O estatuto foi aprovado na Câmara, após foi aprovado no Senado com cinco novas emendas e devido a essas modificações retorna para aprovação pela Câmara, seguindo para sanção ou veto do Presidente da República.
O Projeto de Lei n.º 1.605/2019 institui o Estatuto da Pessoa com Câncer.
A nova lei possui 15 artigos, prevendo princípios, objetivos, direitos fundamentais, deveres, atendimento especial às crianças e aos adolescentes, conforme restará demonstrado, tendo forte relevância na consolidação da defesa, da proteção e do combate dos direitos a pessoa acometida pelo câncer.
Vamos destacar resumidamente as principais mudanças.
Antes de tratar a respeito do Estatuto, é pertinente temos um dado atualizado a respeito da doença no Brasil. Segundo estatísticas publicadas pelo INCA (Instituto Nacional do Câncer) em 10/06/2021[1], no ano de 2020 tivemos a ocorrência de 626.030 novos casos de pessoas com câncer, com maior ocorrência para o câncer de mama nas mulheres ( 66.280) e o câncer de próstata para os homens (65.840), refletindo a extrema importância de avançar com as medidas preventivas e de combate a doença.
O Estatuto aborda em especial princípios e normas abstratas que serão importantes fundamentos para mudanças práticas futuras e para o exercício do direito de acesso ao diagnóstico e ao tratamento, ou seja, o famoso “dever-ser” está estabelecido no novo Estatuto.
Na prática, somente o Estatuto não resultará num salto de qualidade no tratamento, não resultará por si só na melhoria da eficácia e da abrangência das terapias e do acesso aos medicamentos, mas com certeza melhora muito as diretrizes na busca por um novo patamar de importância no combate a doença e na busca de melhorias no acesso aos tratamentos.
Para os efeitos do Estatuto, conforme artigo 4º, considera-se pessoa com câncer aquela que tenha o regular diagnóstico, nos termos de relatório elaborado por médico devidamente inscrito no conselho profissional, acompanhado pelos laudos e exames diagnósticos complementares necessários para a correta caracterização da doença.
Veja que o Estatuto não exige um médico do SUS para o paciente do SUS ou um médico vinculado aquele determinado Plano de Saúde para o caso da Saúde Suplementar (privada), afastando essa situação que por mais absurda que pareça, na prática ocorre em fartas ocasiões, causando dificuldades ao paciente e trata os médicos de forma desigual e ilegal.
O Estatuto fixa os seus PRINCÍPIOS ESSENCIAIS no artigo 2º, em doze incisos, a seguir descritos:
I – respeito à dignidade da pessoa humana, à igualdade, à não discriminação e à autonomia individual;
II – acesso universal e equânime ao tratamento adequado;
III – diagnóstico precoce;
IV – estímulo à prevenção;
V – informação clara e confiável sobre a doença e o seu tratamento;
VI – transparência das informações dos órgãos e das entidades em seus processos, prazos e fluxos;
VII – oferecimento de tratamento sistêmico referenciado em acordo com diretrizes preestabelecidas por órgãos competentes;
VIII – fomento à formação e à especialização dos profissionais envolvidos;
IX – estímulo à conscientização, à educação e ao apoio familiar;
X – ampliação da rede de atendimento e de sua infraestrutura;
XI – sustentabilidade dos tratamentos;
XII – humanização da atenção ao paciente e à sua família.
No artigo 3º dispõe sobre os OBJETIVOS ESSENCIAS, previstos em vinte incisos, cabendo destacar:
I – garantir e viabilizar o pleno exercício dos direitos sociais da pessoa com câncer (educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados);
II – promover mecanismos adequados para o diagnóstico precoce da doença;
III – garantir o tratamento adequado, nos termos das Leis nºs 8.080, de 19 de setembro de 1990 ( regulamenta a Constituição Federal de 1988 e é a primeira Lei Orgânica do SUS. A Lei dispõe sobre a promoção, proteção recuperação da saúde e a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes), e 12.732, de 22 de novembro de 2012 (Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início);
VI – garantir o cumprimento da legislação vigente com vistas a reduzir as dificuldades da pessoa com câncer desde o diagnóstico até a realização do tratamento;
VII – fomentar e promover instrumentos para viabilização da Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS);
IX – promover a articulação entre países, órgãos e entidades sobre tecnologias, conhecimentos, métodos e práticas na prevenção e no tratamento da doença;
XI – viabilizar métodos e sistemas para aferição qualificada do número de pessoas acometidas pela doença;
XII – combater a desinformação e o preconceito;
XIII – contribuir para melhoria na qualidade de vida e no tratamento da pessoa com câncer e de seus familiares;
XVII – incentivar a criação, a manutenção e a utilização de fundos especiais, nacionais, estaduais e municipais de prevenção e combate ao câncer;
(Exemplo: o FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundo de Saúde, etc).
Esses fundos visam abrigar contabilmente as receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços.
XVIII – garantir tratamento diferenciado, universal e integral às crianças e aos adolescentes, priorizando a prevenção e o diagnóstico precoce;
XIX – estimular a expansão contínua, sustentável e responsável da rede de atendimento e de sua infraestrutura;
XX – estimular a humanização do tratamento, prestando atenção diferenciada ao paciente e à sua família.
O Estatuto reconhece SEIS DIREITOS FUNDAMENTAIS no artigo 4º, que pela importância é oportuno transcrever abaixo:
I – obtenção de diagnóstico precoce;
II – acesso a tratamento universal, equânime, adequado e menos nocivo;
III – acesso a informações transparentes e objetivas relativas à doença e ao seu tratamento;
IV – assistência social e jurídica;
V – prioridade;
VI – proteção do seu bem-estar pessoal, social e econômico.
A PRIORIDADE prevista no inciso V acima, como registra o §2º do art. 4º, significa reconhecer as garantias concedidas à pessoa com câncer clinicamente ativo, respeitadas e conciliadas as normas que garantem o mesmo direito aos idosos, às gestantes e às pessoas com deficiência, a seguir expostas:
I – assistência preferencial, respeitada a precedência dos casos mais graves e outras prioridades legais;
II – atendimento nos serviços públicos nos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população, respeitada a precedência dos casos mais graves e de outras prioridades legais;
III – prioridade no acolhimento da pessoa com câncer por sua própria família, em detrimento de abrigo ou de instituição de longa permanência, exceto da que não possua ou careça de condições de manutenção da própria sobrevivência;
IV – prioridade no acesso a mecanismos que favoreçam a divulgação de informações relativas à prevenção e ao tratamento da doença;
V – presença de acompanhante durante o atendimento e o período de tratamento;
VI – prioridade na tramitação dos processos judiciais e administrativos.
O artigo 7º, no inciso VII, merece destaque ao estabelecer ser dever do Estado desenvolver políticas públicas de saúde específicas direcionadas à pessoa com câncer, que incluam, entre outras medidas: a organização de programa de rastreamento e diagnóstico que favoreça o início precoce do tratamento, o que na prática veremos como será implementado.
O artigo 8º determina que o Poder Público deve promover o acesso a pessoa com câncer ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Poder Judiciário em todas suas instâncias, inclusive o artigo 4º reconhece a prioridade na tramitação dos processos judiciais e administrativos, o que ajuda a cobrar agilidade na tramitação.
O artigo 10 tem como foco reconhecer o ATENDIMENTO ESPECIAL ÀS CRIANÇAS E AOS ADOLESCENTES com câncer, ou em suspeição, devendo ser garantido tratamento universal e integral, priorizados a prevenção e o diagnóstico precoce.
O artigo 12 merece atenção ao prever o denominado ATENDIMENTO INTEGRAL NO SUS, nos diversos níveis de complexidade e hierarquia, bem como nas diversas especialidades médicas, incluindo:
– Assistência médica e de fármacos;
– Assistência psicológica;
– Atendimentos especializados, inclusive atendimento e internação domiciliares nos casos em que houver indicação.
– Tratamento adequado da dor, atendimento multidisciplinar e cuidados paliativos.
É importante fazermos uma relevante consideração no aspecto da abrangência do atendimento integral. Conforme artigo publicado no IMQI (vide: https://imqi.com.br/noticias/os-tratamentos-contra-o-cancer-perdem-forca-e-velocidade-para-os-usuarios-de-plano-de-saude/), o Presidente vetou o Projeto de Lei n.º 6330/2019, que foi aprovado pela Câmara e pelo Senado, que prevê a obrigatoriedade de tratamentos de uso oral contra o câncer, que estejam registrados junto à ANVISA, para as operadoras de plano de saúde.
O artigo 12 dispõe sobre o atendimento integral no âmbito do SUS, não fazendo restrição aos medicamentos e tratamentos que estão no rol de procedimentos obrigatórios do SUS, mas na prática o que está fora do rol ou da bula do SUS não é concedido.
Vamos ver na prática se o Estatuto irá mudar essa situação, permitindo que os pacientes possam ter acesso a todos os medicamentos e tratamentos que estão aprovados pela ANVISA.
Infelizmente não acreditamos que o SUS irá dar acesso a todos os tratamentos prescritos pelos médicos aprovados pela ANVISA, em especial aos tratamentos de uso oral contra o câncer.
De qualquer forma, como o Poder Judiciário já vem reconhecendo, havendo prescrição médica indicando o tratamento, como essencial a busca do sucesso do tratamento, não havendo êxito nas terapias convencionais já tentadas, o paciente poderá se socorrer do Poder Judiciário com base não apenas nas decisões judiciais, mas também no atendimento integral previsto no Estatuto, a fim de buscar efetivar o seu direito e ter acesso ao tratamento!
É oportuno deixar claro que os direitos e garantias previstos no estatuto NÃO excluem os já resguardados em outras legislações, como o artigo 14 expressamente faz menção.
Portanto, concluímos que há sim SIGNIFICATIVOS AVANÇOS jurídicos na proteção e no combate ao câncer, com previsões legais que de certo irão dar melhor suporte para que os pacientes com câncer possam buscar os seus direitos, em especial em ações judiciais que busquem efetivar rapidez no acesso ao diagnóstico precoce e no início urgente aos tratamentos, com a clareza do texto de lei de que o câncer precisa ser tratado com a máxima prioridade, tratando-se de uma doença que merece o mais rápido combate para efetivamente salvar vidas e reduzir o avançar da doença.
É de todo relevante frisar que há muitas previsões no Estatuto que dependem de iniciativa política, de destinação de verbas, de programas, para que o dito e desejado atendimento integral possa de fato ser uma realidade. Enquanto a realidade não espelha o que a lei prevê, nos resta buscar fazer o direito em cada caso concreto, sendo certo que caso o Estatuto entre em vigor teremos uma base legal robusta para garantir que a pessoa com câncer possa ter o melhor atendimento possível.
Por fim, sempre gosto de registrar a seguinte frase: “o seu direito transforma a sua saúde!” Nesse sentido, o Estatuto é muito bem-vindo ao nosso ordenamento jurídico, com certeza será um pilar para fortalecer o combate ao câncer e dar a importância devida que essa doença demanda do Poder Público, da família, da comunidade e da sociedade.
Ficamos à disposição para auxiliar.
Dr. Rafael Ramos Leoni – OAB/SP 287.214
IMQI – INSTITUTO MULHERES QUE INSPIRAM